O chorare vai chegar

Conheço alguns de seus segredos, de você, você mesmo, você mesma pessoa só. É sobre você que estou falando, mas não vou revelar agora, nesta frase, aqui, não vou abrir o jogo imediatamente. Sei tanto a seu respeito, talvez mais do que você, que ilude a si mesmo há anos, sabe sobre essa ficção em que você se transformou, pessoa que veio do pó, pessoa só, futura pessoa pó.
Antes de o galo cantar pela terceira vez, e antes de negar o inegável, você mata o galo, não é mesmo? Mas não sou galo nem tolo pra contar isso a qualquer pessoa, muito menos revelar a você que conheço os seus movimentos, assassino de galos, você que corta a língua da testemunha número 1, compra por pouquíssimos dinheiros o silêncio da testemunha número 2, fura os olhos da terceira testemunha e, se necessário, também mata a testemunha 666.
Os seus amigos e amigas recentes não vão acreditar, nunca, talvez um dia, sei lá, não sei, que você é chupa-cabra, aranha marrom, zé ruela. Essa gente deixa-se enganar por um doce, um sussurro, e você convence com elogios e reais, não é? Mas em breve, todas, todos, todes, todxs vão sacar, se é que não sacaram, que você é um tremendo dum engazopador, bagre ensaboado, 171 – teus desafetos, todos ex-amigos, hoje inimigos, sabem que cê não vale nada, mas, enfim, tem ingênuos dispostos a serem engabelados, né não?
Tudo é jogo e o jogo exige jogadas para ser bem jogado – essa é uma de suas frases favoritas, não é, meu inimigo? Você já perdeu muito e ganhou bem mais do que as perdas somadas. E faz algum tempo, e esse tempo já envelhece de tão contínuo, faz anos que a maré tem sido favorável para a sua canalhíssima pessoa – mas a maré vai mudar, isso está previsto inclusive na tábua das marés, é a regra do jogo. Então, triste figura, o seu apocalipse se aproxima, sem dúvida, e tanta gente espera por esse momento, eu e outros, muitos.
Hoje se faz necessário propor um desafio. Sei que você se acha e, além de se valorizar acima do que supostamente vale, ainda gosta de dizer que enfrenta qualquer parada. Então: aceita encarar a sua imagem refletida no espelho? Pode ser até em água lisa, em um lindo lago do amor, mas para não dificultar vale espelho fixado em qualquer parede. Consegue encarar o que vê? Por quanto tempo? O que acha dessa ruína de hábitos, que tal o desmoronar físico? Como conseguiu assassinar a criança e dar vez a esse equívoco de atos-gestos repulsivos?
Tenho a possibilidade de tirar você do jogo, basta enviar uma mensagem, sabe, sabia?, mas não – não que eu seja gente boa, ao contrário. Quero é distância de gente como você. Que urubus, outros chacais e hienas múltiplas te despedacem durante essa prorrogação, adiado cadáver.

Conto de minha autoria publicado na revista Ideias 215, setembro de 2019, com ilustração do Vitor Mann.

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