Relento

Hoje tem Relento (Lambrequim, 2022), da Indianara Santos:

A dicção é contemporânea, e o imaginário que conecta quase todos os textos poéticos está impactado por perdas – como exemplo transcrevo o segundo poema, o “2”:

“Hoje era amanhã/ E os domingos duravam o tempo de um beijo// Das segundas e do resto quase não me lembro/ Alguma confusão de tempo/ De chá/ de banho/ de vento”.

A musicalidade é outra característica dos 32 poemas de Indianara Santos reunidos em Relento, publicação do selo Lambrequim, iniciativa do poeta-prosador-editor Marco Aurélio de Souza – e a perda, como já foi mencionado, é quase onipresente – como podemos ler na primeira estrofe do poema “5”:

“Algum bom vento choraria sua partida prematura/ Alguma alma abriria sem conserto imediato/ Alguma gaveta seria desnuda/ Algum suspiro preencheria o quarto vazio/ Mas a doce lembrança permaneceria…”

O vazio, dialogando com o legado do romantismo, também recebe o nome de silêncio no poema “6”, outro destaque da obra:

“Ouço um disparo/ Um canto descontrolado/ O último raio se deita/ Chorando/ O dia está terminando/ Cenário perfeito/ Clima ameno/ Crianças correndo/ Panela cantando na cozinha/ Parece que a vida sorria…/ Lá fora// Aqui dentro/ O mesmo tormento// Não carece de terminar em lamento/ Fiquemos apenas com esse minuto/ De silêncio”.

O recorrente silêncio-ausência em Relento tem várias possibilidades de representação, entre elas a do poema “20”, do qual segue um trecho:

“Em casa, na porta/ Uma planta morta/ O copo sujo de suco de uva quase caindo da pia/ A vela derretida até o mesmo lugar de dois dias atrás/ A luz do mesmo cômodo acesa/ – Nenhuma presença –/ No quarto, a cama ainda desfeita/ Por essa ausência cruel e perfeita”

E entre outros temas que atravessam Relento, há poemas que tratam de poesia, a exemplo do “16”:

“O melhor poema é aquele escondido/ Mas é grito contido/ Tá ali guardado/ Ocupando espaço/ De palavra fluída// O melhor poema é insuportável/ Não pra mim/ Que sou poeta/ Mas pras feridas abertas// O melhor poema fica em segredo/ Mesmo que o coração/ Fique a tremer de medo// O melhor poema/ Corrompe as pessoas/ E uma vez bem visto/ Terá de ser escondido/ E escondido/ E escondido/ …/ …”

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