Nada passou em branco

 

Hoje tem Nada passou em branco (7Letras, 2022), do Antonio Cescatto: 

Esta ficção tem como ponto de partida um marco na vida do autor: a desistência de um percurso.

Antonio Cescatto estudou medicina, mas trabalhou e atua como publicitário, apesar de, genuinamente, ser poeta e escritor.

A narrativa apresenta a tensão de um personagem, é preciso ressaltar, que não é o Cescatto, mas um ser ficcional elaborado a partir das angústias do escritor e poeta.

Um dos momentos mais instigantes do livro está no Capítulo 9 – o narrador constata, na transição da teoria para a prática, que aquele universo não é para ele:

“Foi aí, mais ou menos por aí, quando a coisa parecia finalmente ter se resolvido, que ela começou a se complicar. Quer dizer, não para os meus parceiros. Eles pareciam agarrados a seus Virgílios no caminho do Purgatório. Breve, o paraíso. Não tardaria a chegar o momento em que dominariam os centros cirúrgicos, em que reinariam nas enfermarias com diagnósticos precisos.”

O desconforto do personagem diante da realidade da medicina é materializada por meio de observações, especialmente a partir de sua inquietude de leitor (que o levava a questionar tudo e todos):

“(a verdade é que eu andava lendo muito. Lendo de tudo, caoticamente. Tudo que eu, como estudante focado de medicina, não deveria ler. Aquele caos que se instaura quando adentramos as ciências humanas, quando a poesia nos entorta, quando a literatura nos ensina a arte da autoprovocação. Sim, eu andava lendo muito).”

O protagonista de Nada passou em branco, enfim, sente-se incapaz de lutar contra as mazelas do mundo que se apresentam para um médico em um hospital ou clínica – e após conhecer um filme do Glauber Rocha ele sabe que, realmente, não é um ser da e para a medicina:

“O que ela espera de mim eu não sei. O que eu posso fazer por ela é um enigma. O que me resta: um armário. Um armário de vidro com alguns analgésicos e muitos vermífugos. Tão inúteis quanto as denúncias do cinema novo para curar as dores sociais. Mas, no entanto, os filmes foram feitos. Teriam que ser feitos, não como fato estético, mas como ação política. Assim como os vermífugos devem ser ministrados. A ação política.” 


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