Périplo

 

Hoje tem Périplo (Patuá, 2021), do Otto Leopoldo Winck:

Otto Leopoldo Winck apresenta poemas sonoros, tão melódicos que apenas pela musicalidade já podem vir a siderar leitoras e leitores:

“Êxodo, périplo, hégira,/ véu rasgado, máquina interpelada/ – tal é a senha,/ a sanha, o sonho,/ o senso/ da sola dos nossos sapatos.”

Fragmento VI de “Umbrais da manhã”, a estrofe é exemplo da potência musical da poesia do Otto (se puder pronunciar em voz alta, mais de uma vez, fica a sugestão: “a senha,/ a sanha, o sonho,/ o senso/ da sola dos nossos sapatos.”

Lembro de uma afirmação de Ezra Pound, para quem “a  poesia começa a se atrofiar quando se afasta muito da música” – e partir da pensata miro e ouço outro poema do Otto, absolutamente musical, extraído do capítulo, sonoro no título,  “Verde Vertigem”:

“Há/ que ter pressa/ agora. A paisagem/ pode até ser útil/ – ainda que nem sempre bela./ O lugar à janela/ é raro/ (avaro o motorneiro)/ e nem se respira/ um ar/ sem danos.”

Vale citar a referência: “A paisagem/ pode até ser útil” – a voz poética menciona “Paisagem Útil”, canção de Caetano Veloso gravada em 1968, que dialoga com “Inútil paisagem” (1963), clássico de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira.

A viva e potente poesia de Otto Leopoldo Winck, enfim, não por acaso, está em sintonia com potências de canções da música popular brasileira, e outras linguagens, a exemplo do poema da página 31:

“Cuidado:/ uma repentina tosse/ pode despertar/ velhos presságios. Um esbarrão,/ revelar mais do que o susto./ Um tropeço,/ o desconcerto total da urdidura.// Urge ser prudente./ Há bocas de serpente na vitrina,/ olhos à espreita, presas, arapucas./ Um passo em falso/ e o cadafalso/ se armaria inteiro/ no escritório.// Esquadrias de alumínio,/ torres, fios, fichários,/ severos números/ – assim se forja/ (em verdade) o dia/ sob a pele em cifras/ do motor perpétuo./ O elevador/ que ascende aos céus/ é o mesmo que desce/ às fauces de geena.// O funcionário gentil/ que nos sorri/ pode ser (atenção!)/ o alto donatário do castelo.// O dogma agora ofusca:/ na rotatória/ ali/ – é um ônibus/ ou um fusca?”

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