Cidade Velha


Hoje tem Cidade Velha (Editora Rua do Sabão, 2022), da Maureen Miranda:

Os cinco contos de Cidade Velha tendem a desafiar a sagaz leitora e o voraz leitor: com que obras e autores Maureen Miranda dialoga?

Vai ser difícil apontar os e as ancestrais literárias da Maureen, mas tem uma questão que pode ajudar a decifrar o enigma: a fragmentação.

“Ramira”, a primeira narrativa, traz três pontos de vista: a perspectiva da protagonista, o texto de seu diário e uma outra voz – variações que aprofundam uma mesma situação, cena.

Essa estratégia apresenta e conduz, em “Ramira”, um inventário de perdas: o esfacelamento da família, a deterioração do local onde a protagonista vive e a viagem em busca de novo destino – diálogo com a realidade de refugiados de todos os tempos, inclusive os do nosso presente:

“Acordei porque meu barco-destroço encalhou na praia. Levantei com cuidado, sentia uma tontura e um zumbido no ouvido, via coisas da minha meninice desenhadas na areia, meus ombros pesados me levaram para o chão. Desmaiei.”

O segundo conto, “A vida de Sunny”, é fragmentado por poemas da personagem e pela narração, em primeira pessoa, da protagonista:

“Sou infinitamente pequena para essa poça de sangue. Não sinto minha mão direita. Não sinto nada. Acordei afogada aqui, numa gosma molhada de coágulos meus. A luz é pouca e choro pra dentro. Meus olhinhos estão virados pra dentro também. Isso que choro, nem chamo mais de choro, faz parte do meu despertar. É abafado e tão molhado que nado em mim, com braçadas de quem nunca chegará ao outro lado.”

As relações familiares estão presentes nas duas já mencionadas e nas outras três narrativas de Cidade Velha – na terceira, por exemplo, o título é quase um spoiler, não fosse o corpo do conto todo um universo que não se resume: “O Filho que não tive”.

“O Portão” e “O Porão”, quarto e quinto contos, também são perpassados por laços de famílias, “o” assunto de Cidade Velha, elaborado, como já foi dito, por fragmentação e pela força narrativa peculiar que marca essa experiência literária incontornável, para leitoras e leitores, na/da literatura brasileira contemporânea.

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