Os Dias
Hoje tem Os Dias (Chiado Books, 2021), do Otávio
Duarte: A obra poética, o nome indica, tem como assunto principal o cotidiano,
observado no instante em que ele acontece e também após os fatos, com a
perspectiva da passagem do tempo.
Nenhum poema
tem título, e o da página 39 é uma celebração e ao mesmo tempo espanto sobre o
movimento contínuo da vida: "o agora é o imenso agora/ o que se foi é
recordação e teoria/ o que virá não existe ainda e será outra coisa".
No desfecho, a
voz poética completa: "o que foi o seu agora/ é o meu agora/ e não será
mais/ daqui a pouco".
A questão também
está em outros poemas – talvez, constatação do poeta sobre a irreversibilidade
da travessia e, na página 42, três versos indicam que, mais que impossível, é
inútil negar a marcha dos segundos: "o tempo não existe/ digo ao espelho//
ele me mostra a entropia".
O humor, que dá
o tom do breve poema citado no parágrafo anterior, perpassa quase todos os
textos reunidos em Os Dias.
Referências do
poeta estão distribuídas em versos, neste caso, para causar musicalidade e surpreender
os leitores (como os fatos de cada novo dia podem nos fazer duvidar da lógica e
de causas e efeitos).
Cito, ao acaso,
alguns exemplos, todos funcionais em cada poema, como um fragmento da página
14: "eu chat baker/ você os pretenders". Ou o arremate do texto que
está na página 33: "agora não acho mais/ o jazz que estava em tudo".
E, ainda, uma estrofe da página 15: "se fosse monet/ gostaria de um lugar
com rio/ plantas, árvores e céu aberto".
Também aparecem referências a amigos do paranaense de Campo Mourão radicado em Curitiba, autor de romances e coletâneas de contos. Na página 24, o poema menciona que entre uma igreja e uma sinagoga, atualmente unidade da polícia militar, há árvores, mas são citações de sobrenomes de interlocutores do poeta: "entre a catedral e a sinagoga/ pereiras, teixeiras, oliveiras". Mesmo se o leitor não percebe esses easter eggs, o efeito das palavras funciona, o que se repete em outros poemas deste admirável Os Dias.
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