Lúcia McCartney

 

Hoje tem Lúcia McCartney (1969), de Rubem Fonseca: A qualidade dos contos de Rubem Fonseca já era conhecida em 1969 – Os prisioneiros, a sua estreia, é de 1963 e, dois anos depois, ele publicou A coleira do cão. Neste terceiro livro, obra em progresso, o autor consegue resultados impressionantes, como no conto que dá nome ao livro.

[Os Beatles aparecem nesta obra literária, indiretamente, por meio do sobrenome (de guerra) da garota de programa que atua na zona sul do Rio de Janeiro, a Lúcia McCartney, fã do Paul, e ainda no título do conto "Um dia na vida", referência à canção homônima de Lennon e McCartney, um dos muitos destaques do Sargent Peppers].

Em "Lúcia McCartney", há recursos gráficos para sugerir representação verossímil do que se imagina e daquilo que é dito, e calado, em uma conversa, além da fragmentação – recurso recorrente em textos desta coletânea.

Há fragmentos notáveis no conto "Lúcia McCartney", especialmente a partir do momento em que ela se apaixona pelo cliente José Roberto e, para materializar o que digo, transcrevo dois parágrafos da narrativa:

"Ir para a cama com ele é cada vez melhor. Ele sabe amar, me deixa louca, horas seguidas. Me deixa mortinha – durmo direto e quando acordo ele está calmamente lendo um livro ou fumando cachimbo e ouvindo música naqueles fones dele, pronto pra me amar de novo.

Amanhã ele vai para São Paulo, ou Buenos Aires ou Lima, o assunto não ficou esclarecido. É meia-noite e ele diz que tem o que fazer, que tem que sair. Isso apenas, 'tenho que sair'. Coloca um monte de dinheiro na minha bolsa: 'para você ir à boate'."

A solidão de Lúcia McCartney é tão ou mais aguda que a de outros personagens, como a do protagonista de "O desempenho", um lutador que conhece as vaias e os aplausos, ambos, para ele, parecidos, quase iguais.

Além de questões quase dissecadas, como a do possível ressentimento de cada funcionário com todo chefe ("J. R. Harder, Executive"), e, no caso deste conto, a maneira inusitada de apresentar o problema, o que também se sobressai é a fluidez da linguagem que, sem exagero, hipnotiza, prende mesmo o leitor – característica de toda a obra que Rubem Fonseca (1925-2020) construiu.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Livro sobre o skate no Paraná será lançado durante a 42.ª Semana Literária Sesc & Feira do Livro, em Curitiba