Porcelana invisível
Hoje tem Porcelana
invisível (Cosac Naify, 2015), do Fernando Paixão:
Algo me desestabiliza ao reler Porcelana invisível, do Fernando Paixão.
Não encontro referências, nenhuma pista das leituras
determinantes, as que devem ter estimulado o poeta e pulsam nesses precisos versos.
Seria leviano, por exemplo, citar apenas nomes do cânone
brasileiro, modernistas, modernos e/ou contemporâneos, como as vozes com quem
Fernando Paixão dialoga (certamente ele conhece esse legado) – o poeta é um
leitor curioso, nascido em Portugal em 1955, radicado no Brasil desde a
infância (estudioso, entre tantos percursos, das obras do José Paulo Paes e de
Mário de Sá-Carneiro).
É, enfim, possível seguir por temas atemporais presentes
neste livro publicado em 2015 – e minha viagem hoje vai por esses trilhos (sem
identificar, com precisão, referências do autor).
Impressionante, em "Capela dos ossos" a voz
poética diz observar caveiras e imagina um diálogo com os restos mortais:
"Sugerem uma pontada de riso/ de quem vai direto ao
ponto:/ – A tua carne vive prazo de gozo/ logo os teus ossos serão
nossos.".
A finitude, brevidade da existência (e das relações) é motor
de outro destaque, no caso, um poema a respeito da "Amizade finda":
"Retiro as palavras derrotadas./ Frutos secos/ levo
no meu bornal.// Não há o que lamentar./ Cada um resolva o semblante/ da
própria face.// O canto de Billie Holiday em noites frias/ traz o vestígio de
quem um dia/ já foi amigo.// Basta a inútil troca/ de argumentos./ Atravesso a
porta. Aceno./ Sigo.".
A fragilidade humana também tem materialização em um poema
que transita com melancolia pelos abismos de quem decidiu encerrar a jornada,
"Ao amigo suicida":
"Éramos tão jovens. Desconhecíamos/ que a água dos
mares superava/ a espuma de nossos entendimentos.// [...] Chegaste mais cedo, porém/
ao momento do espelho/ em que o rosto se mede/ com os altos hinos/ numa casa
qualquer de subúrbio/ onde se fez conhecer/ a sentença dos teus atos/
abandonando o mundo.".
Há outros motes e uma seção com breves poemas,
belíssimos, como "Sentimento" (A chuva mostra/ o pensamento/ triste/ da
nuvem) e "Ao longo dos anos" (Existe um tempo/ que te contempla).
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