O movimento dos pássaros


Hoje tem O movimento dos pássaros (Martelo, 2020), da Micheliny Verunschk:

Já nos primeiros poemas, uma ideia decola: os pássaro mencionados no título são aves, que também podem ser poemas, no caso, os textos poéticos deste livro.

Tal sugestão está, por exemplo, em "advertência":

"este livro não é um pássaro// (embora sangre) [...] este livro não é um pássaro// (embora o seu peso o denuncie/ como pássaro)".

Os versos, os poemas falam de pássaros e ao mesmo tempo de poesia, como "às escuras", que tão bem dialoga com a sugerida ambiguidade:

"é preciso escrever o pouso/ do mesmo modo/ que se escreve o voo.// é preciso escrever o ninho/ do mesmo modo/ que se escreve a árvore.// é preciso escrever a queda/ do mesmo modo/ que se escreve a curva.// é preciso escrever o ataque/ do mesmo modo/ que se escreve a perda.// é preciso escrever a ausência/ do mesmo modo/ que se escreve o pássaro.// é preciso sobretudo/ escrever aquilo que você não sabe."

Escrever sobre o que ainda se desconhece, possível definição da busca de um(a) artista, também pode ser alusão ao voo de um pássaro, ideia-força que encontra pouso em uma estrofe de "um pouco depois, o nome":

"há uma música que nunca cessa/ e a isso chamamos existência/ mas o que não definimos/ é o que melhor nos sabe.".

"outras lições e seu método", sobretudo o fragmento "iii", segue em sintonia com esse mote, mistério-imprevisibilidade:

"o pássaro/ não se curva/ ao tempo// o tempo/ exige uma certeza ao menos/ a sua própria passagem// o pássaro/ é imprevisto."

Belíssimo é o espelhamento de dois poemas, nas páginas 56 e 57. O primeiro, "i", é um autoproclamado poema-gato, "ele salta e se estica":

"bastante irritado/ talvez porque o pássaro/ escape apressado/para o poema ao lado."

Já o texto poético da página 57 "é um pássaro" e:

"seu voo é um risco/ traçado na página/ sua curva uma fuga/ da garra estendida/ ou quem sabe um sorriso/ de irônico escárnio/ ao salto do gato."

Se há tanta poesia para e sobre vida, a obra também tem poemas, versos sobre o fascismo no país, suicídio, perdas e morte – outro destaque é "a porcelana de todas as coisas", dedicado à escritora Assionara Souza (1969-2018).

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