Água viva
Hoje tem Água viva
(Rocco, 1998), da Clarice Lispector:
Mergulho nessa obra, talvez involuntariamente, com ecos
de uma máxima do Italo Calvino:
"Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer
aquilo que tinha para dizer.".
Para mim, para tantas, para muitos, Água viva é sempre novidade – e continua sendo nesta nem sei que
releitura é, que me conduz a outra pensata do Calvino:
"Toda releitura de um clássico é uma leitura de
descoberta como a primeira.".
Siderado, redescubro tanto em Água viva, como na primeira vez, o que dialoga com uma terceira
iluminação do escritor cubano-italiano:
"Toda primeira leitura de um clássico é na
realidade uma releitura.".
Enfim, releio Água
viva, narrativa poética em que há um turbilhão de frases perfeitas:
"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu
silêncio.".
O que seduz meu imaginário durante essa recentíssima
leitura é a obsessão da narradora em busca do presente (o que talvez também
aconteceu durante a minha primeira leitura da obra):
"Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar
o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a
atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já.".
A voz narradora declara que o instante é o seu tema, e ela
tem, quem sabe, mais de mil e uma possibilidades de elaborar a questão, entre as
quais:
"o instante-já é um pirilampo que acende e apaga,
acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta
velocidade toca minimamente o chão. E a parte da roda que ainda não tocou,
tocará num imediato que absorve o instante presente e torna-o passado.".
A voz que narra, e diz ser pintora, além da escrita
(corpo do texto), justamente no fluxo de palavras, percebe – surpresa para mim
– a possibilidade de um flerte-diálogo com a música:
"Sei o que estou fazendo aqui: conto os instantes
que pingam e são grossos de sangue.
Sei o que estou fazendo aqui: estou improvisando. Mas
que mal tem isso? improviso como no jazz improvisam música, jazz em fúria, improviso
diante da plateia.".
Potência desde o ano de sua publicação, em 1973, Água viva apresenta-se cada vez mais
como um clássico, mesmo que em alguma medida recente, que inebria, aliciando
continuamente leitore(a)s.
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