Robinson Crusoé e seus amigos
Hoje tem Robinson
Crusoé e seus amigos (Editora 34, 2021), do Leonardo Gandolfi:
Um dos assuntos recorrentes nesta reunião de poemas é a
perda, e a realidade sem a presença paterna dá espessura a intensos textos
poéticos de Robinson Crusoé e seus amigos,
como "Sem Título":
"Depois de morrer/ nossas unhas/ e cabelos/
continuam a crescer/ dentro do caixão// Só depois de morrer/ meu pai/ começou a
crescer/ dentro de mim".
"Velho par de chinelos" retoma a questão e a
conduz a outra perspectiva:
"Meu pai me deu/ seu velho par de chinelos/ só
porque eu disse/ que eram confortáveis// No dia do seu enterro/ mesmo sem ver
seus pés/ lembrei dos chinelos".
A voz poética segue, indicando estar em casa com o
afetivo objeto:
"Enquanto isso/ bem diante de mim/ minha filha/ de
mãos dadas com sua mãe/ aprende a andar".
Como arremate, surge a indagação, comovida, a respeito
dos passos que aqueles pequenos pés ainda descalços vão empreender.
Cogitar essa possibilidade, a filha caminhando no
futuro, em alguma medida, mesmo minimamente, também dialoga com a ideia de
perda – uma e apenas uma (importante ressaltar) das temáticas de Robinson Crusoé e seus amigos.
Já o poema "Quando der meia-noite" materializa
um sujeito despedindo-se de uma cidade, de tudo o que ela tem e não mais
oferecerá a ele:
"chegue mais perto da janela/ e ouça as canções e
as vozes/ bêbadas lá fora/ e dê adeus a ela/ à cidade do Rio de Janeiro/ que
você acaba de perder".
A inquietação de um solitário, acompanhado, é traduzida
em "Última noite", espécie de oração diante do caos ou, até mesmo, desalento
de quem espera Godot:
"Nós dois sentados no meio-fio/ apagando contra o
chão/ um por um os nossos cigarros/ nós dois apagando/ cigarros contra o chão/
como quem derruba lá de cima/ uma por uma as estrelas".
Os poemas desta obra tratam, como já foi mencionado, de
perdas e também traduzem o que pode ser a solidão ou, como Nelson Rodrigues tão
bem definiu, um Robinson Crusoé sem radinho de pilha – o que todos somos, até e
sobretudo se estivermos em um charivari com outros Robinsons ou isolados em
casa postando em redes sociais um comentário sobre um livro de poemas.
Comentários
Postar um comentário