Três poemas do Antonio Cescatto
A GAVETA DAS MEIAS SEM PAR
Meias sem par têm gaveta própria,
onde devem ficar até serem resgatadas
do exílio. Nesse dia, estiradas
sobre a cama, ficarão, uma ao lado
da outra, na muda solidão das meias
sem par. Caso o pé perdido seja encontrado,
a exilada poderá retornar ao conforto
das gavetas principais. Caso contrário,
terá que seguir seu destino incerto.
A gaveta das meias sem par, afinal,
precisa ser esvaziada, para que
outras meias sem par possam ocupá-la.
FRONHAS E TRAVESSEIROS
Fronhas
devem ser
trocadas
regularmente.
Travesseiros
devem ser
levados
ao sol.
Disso depende
a qualidade
dos sonhos.
E a lembrança
regeneradora
dos pesadelos.
TUDO QUE É SÓLIDO
A torneira pinga.
O ralo entope.
O morango apodrece.
A janela não fecha.
A porta bate.
A lâmpada queima.
A cadeira range.
A comida esfria.
A xícara vira.
O chinelo some.
O papel acaba.
O gás não liga.
A persiana quebra.
O pano não seca.
A vela apaga.
A luz não acende.
A unha cresce.
O cabelo cai.
E ninguém sabe
onde foi parar
a escova.
Poemas de Antonio Cescatto publicados em O Livro das Coisas
Menores (2019).
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