O púcaro búlgaro

 

Hoje tem O púcaro búlgaro (José Olympio, 2008), do Campos de Carvalho:

O Campos de Carvalho (1916-1998) disse que, entre os livros que escreveu publicados, o seu favorito era O púcaro búlgaro, (1964), e evidentemente ele tinha (tem) razão.

Se em sua obra, o escritor discute a falta de sentido de tudo, talvez por esse motivo no enredo de O púcaro búlgaro há um plano, uma tentativa de estabelecer algum sentido em meio ao caos: viajar até a Bulgária – apesar das suspeitas, dos personagens, de que o país talvez não exista.

“Nenhuma alusão à Bulgária ou a quaisquer Bulgárias se encontra, nem mesmo veladamente, na Bíblia ou em qualquer outra mitologia”.

É o humor, ou seja, a visão de mundo, e a ironia, característica do olhar dos narrador de Campo de Carvalho, enfim, é aquela linguagem que ele, e somente ele, foi capaz de elaborar – e para seguir no assunto do parágrafo anterior vale transcrever outro fragmento:

“Mesmo que ficasse um dia definitivamente demonstrada a inexistência da Bulgária, ou das Bulgárias, ainda assim continuariam a existir búlgaros – do mesmo modo como existem lunáticos que nunca foram e jamais irão à Lua.”

O narrador é tão hábil, tão capaz de fazer o que quiser, que em um capítulo-fragmento, de 4 de dezembro (a narrativa é pontuada por datas), há uma citação do pensamento de um dos personagens:

“SÓ HÁ UMA VERDADE ABSOLUTA: TODO RACISTA É UM FILHO-DA-PUTA.”

Assim mesmo, em caixa alta e com essa rima, talvez voluntária, de absoluta com filho-da-puta.

E mesmo com a aparente desconexão, tudo faz sentido na estrutura da narrativa, apesar de a narrativa discutir e rir do nonsense.

E os personagens?

Tem o tal Ivo que viu a uva, Rosa, o professor Radamés e Pernacchio, autor de pensatas inesquecíveis, entre as quais a seguinte:

“ – Descobri que não é a Torre de Pisa que está se inclinando, e sim toda  a cidade [...], com os seus prédios e monumentos, e até os seus habitantes. A torre é a única coisa que, por um fenômeno inexplicável, se mantém a prumo. – E mostrou com o cigarro a posição exata da torre, rigorosamente vertical.”

Como se lê, esse autor, essa obra e esse narrador são atemporais:

“Não sou eu que ando um pouco fora de época: é a época.”

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