Central de Despachos Nossa Senhora das Graças

Hoje tem Central de Despachos Nossa Senhora das Graças (Água Quente, 2021), do Amarildo Anzolin:

Este livro decifra e reprocessa o zeitgeist por meio de poemas e linguagem e, até mesmo, pelos títulos de alguns dos textos poéticos:

“A diarreia diária da rede”, “Triste trópico distópico”, “Campanha para doação de likes”, “A vida é um cromaqui” e, entre outros, “O selfie matou os paparazzi”.

Mas, evidentemente, os corpos dos poemas também são avassaladores, até e inclusive os mínimos em extensão, como “Pós-Verdade”:

“O amor é a maior mentira/ que a verdade pode contar”.

Há ideias e imagens nestes poemas do Amarildo:

Representantes farmacêuticos que furam filas em ambulatórios, um galho seco mas pontiagudo, o borrão da margem, o marinheiro que tatua a palavra maresia no centro da retina, entre outras vertigens, inclusive, ora direis, ouvir estrelas, a revelação não da fórmula, mas do gosto da Coca-Cola.

Tanta senda nesta obra, e também poesia visual, com a pegada dos poemas, em que há observação, indignação e combate (intelectual, verbal) a insanidades incontornáveis n(d)este vasto mundo em que quase tudo pode vir a ser comprado e talvez até usufruído, se tempo houver.

E, se não é possível nesses 2.200 caracteres comentar mais, transcrevo um dos destaques do livro, “Retalhos de Flanela”, sobre-a partir desse cinema que passa nas ruas das cidades:

“pelo céu do para/ brisa/ entra um desempregado/ equilibrista/ na corda bamba do horizonte// artista aposentado troncho barba branca/ amarela até o peito/ no peito Calvin Klein furada/ uma linha abaixo/ mãos com papelão/ escrito à mão/ FOME// (um moço do Haiti de brinco) um pirata do Caribe fantasiado de/ Johnny Deep/ vende falsificados no meio-fio// limão Volkamericano/ ou rosa?/ não pude ver/ de dentro do carro/ passou um negro/ do Haiti ou do bairro?/ com um saco de ráfia/ cheio deles/ na faixa do asfalto/ se no saibro vermelho/ bolas de tênis?/ canta um blues/ oferece um pano de prato de ralo algodão// a menina da bala de goma se olha no vidro fumê/ vê um céu com olhos carregados sobre si// velhas bolas de tênis malabarizam/ dois braços secos finas facas cegas sem ponta// no tablado das faixas brancas/ um rasta engole fogo e não devolve chama// um super-homem cola um pacote de paçoca de dois bozos/ no retrovisor// uma sereia de cadeira de rodas vende cordel no sinal constipado”.

 

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