A lua vem da Ásia
Hoje tem A lua vem da Ásia (Autêntica, 2016), do Campos de Carvalho:
Alguém pode definir este livro como uma
sequência de nonsenses – não seria a melhor elaboração, nem erro completo.
O narrador diz (blefando?) não saber se
está em um hotel ou hospício, e, no "Capítulo CLXXXIV", por exemplo, informa
que esteve em Cochabamba, Cuzco, ilha de Sumatra, Beira e Nova York.
Já no "Cap. 71", acrescenta
que passou por Cádiz, Coimbra, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Tóquio.
E as ações?
O narrador afirma (brincando?) que
aprendeu a tocar berimbau no Conservatório de Varsóvia, caçou elefantes na
África Equatorial, traficou cocaína e escravas brancas, elegeu-se senador, foi agente
secreto, barman e, entre várias
atividades, ilusionista.
O narrador conta que o nome dele era
Adilson, "mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente
Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo."
Ruy Barbo seria uma alusão a Ruy
Barbosa?
Não sei.
Fato é que apesar do percurso
ziguezagueante, incluindo dezenas de atividades, o que pode sugerir nonsense traz
observações viscerais a respeito de questões incontornáveis.
Um fragmento do "Capítulo Não
Eclesiástico" é exemplo da lucidez desse narrador:
"Mas você, meu irmão, já imaginou
o romance sensacional que poderemos escrever um dia sobre esta experiência
bélica a que estamos sendo submetidos em pleno tempo de paz, se é que se pode
chamar de paz a este estado de angústia permanente e de ódios gratuitos que
marca todos os nossos passos, mesmo e sobretudo durante o sono?"
Até parece uma narração sobre 2022 –
apesar de o livro ter sido publicado em 1956.
Campos de Carvalho (1916-1998) é, sem
exagero, um gênio de nossa literatura, e a maestria dele revela-se, também, pelo
início deste (que ele considera o seu primeiro) romance – uma das mais sublimes
frases iniciais de narrativas literárias:
"Aos dezesseis anos matei o meu
professor de Lógica."
Há outros temas na obra que apresenta, ainda,
aforismos do narrador, em um deles é possível ler o título da narrativa:
"À noite a lua vem da Ásia, mas pode não vir, o que demonstra que nem tudo neste mundo é perfeito."
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