Poesia reunida (1968-2021)
Hoje tem Poesia
reunida (1968-2021) [Editora 34], do Leonardo Fróes:
Quatrocentas e vinte e quatro páginas reúnem 10 livros
do autor, de Língua franca (1968) a Chinês com sono (2005) – e ainda o
inédito A pandemônia e outros poemas
(2021), o qual vou comentar já na próxima linha.
"A pandemônia" dialoga com o período que teve
início em março de 2020, especialmente aqueles dias e noites em que o mundo parecia
estar parado:
"Alguma coisa estava acontecendo.../ Os soberbos
edifícios calados/ enfileiravam-se inertes tristemente./ As torres industriais
não vomitavam/ a fumaceira encardida dos seus venenos./ À falta de fiéis,
ninguém vendia salvação nas esquinas./ Fecharam-se os bordéis, os bares e os
bazares, os bancos./ Ninguém se atropelava, mas quem se arriscaria a namorar,/
se a contaminação da pandemônia estava à solta e invisível?".
Não por acaso, a voz poética que observa, e registra, a
ausência de movimento urbano é a de um artista que há meio século saiu da cidade
do Rio de Janeiro para viver em uma área rural.
Um dos mais belos poemas desta reunião recente de
Leonardo Fróes é "A lagoa dos olhares", a respeito do estranhamento
entre humanos:
"No fundo, ninguém conhece/ ninguém. A não ser por
alto."
Precisamente, o poema sugere que, mesmo e apesar dos
abismos, conexões podem acontecer em silêncio, mas raramente sem o cruzamento
de olhares, até mesmo dentro de um ônibus – e cada estrofe (a exemplo da que vai
ser transcrita em seguida) deste poema confirma, como se precisasse, e, enfim, esses
versos nos fazem ver, ouvir e sentir a força da arte do singular Leonardo Fróes:
"nos momentos amenos em que as pessoas/ (uma no mar
da outra mergulhadas/ por atração ou forte simpatia)/ deixam de perceber que se
ignoram,/ isso é tudo o que podem no tocante/ ao que existe para conhecer do
outro lado."
"A lagoa dos olhares" ainda reserva tanta linguagem
e surpresa, e fica como sugestão, para quem não leu, conferir o poema na página 391 do
livro.
Outra extraordinária experiência estética é
"Travessia em barco bêbado", em que um passageiro é conduzido por um
motorista que desdenha os perigos da alta velocidade, algo tão arriscado como
comentar poemas deste autor em apenas 2.200 caracteres.
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