Verdade tropical
Hoje tem Verdade
tropical, (Companhia das Letras, 1997), do Caetano Veloso:
Revisitar essa narrativa mais de duas décadas depois de
sua publicação é quase como encontrar um livro ainda não lido – a observação
pode valer, e vale, para outros títulos, mas neste caso, e para mim, é também seguir
por uma obra (que parece) ainda desconhecida, a mais estimulante possível.
Republicado individualmente em 2020, o capítulo "Narciso
em Férias" é um dos pontos altos do livro em que o autor revisita
episódios determinantes em seu percurso, e neste trecho ele recria o período em
que esteve preso durante 54 dias, entre dezembro de 1968 e fevereiro de 1969.
Caetano Veloso oferece aos leitores, leitoras reconstituição
do ambiente hostil da prisão militar, em mais de uma unidade, onde experimentou
desequilíbrio emocional, sem conseguir esboçar durante o cárcere – pelo menos é
dessa maneira que ele narra – perspectiva de qualquer futuro:
"Tenho ouvido de pessoas que foram ou estão presas
a observação de que, em algum momento, dentro da cela, duvida-se da realidade
da vida livre que a memória diz ter existido lá fora. [...] (Mas) da mesma
maneira que, enquanto estamos presos, não cremos na vida livre que não podemos esquecer,
uma vez soltos, esquecemos a coerência interna da vida na prisão de cuja realidade,
no entanto, não duvidamos. Hoje sei que saí (venho saindo) da prisão como quem
sai de um sonho, ao passo que, enquanto preso, eu julgava que Santo Amaro, o
Solar da Fossa e a TV Record é que tinham sido um sonho do qual não era possível
sair."
A prosa do Caetano dialoga com a beleza dos textos de
suas canções – a força da linguagem também é destaque em Verdade tropical.
E, como cantaria, e canta, em Abraçaço (2012), para ele, "o acaso é o grão-senhor".
Os movimentos de sua trajetória, o artista enfatiza, foram
(e são) conduzidos pelo acaso ("Meu destino não traço/ Não desenho,
disfarço"), como o fato de ele ter se tornado compositor e cantor, e não
cineasta – uma de suas ambições.
Verdade
tropical, inclusive, surgiu, o autor explica, a partir de um convite, outro
nome para o grão-senhor acaso.
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