Carta à rainha louca

 

Hoje tem Carta à rainha louca (Alfaguara, 2019), da Maria Valéria Rezende:

É possível compreender a narrativa como o relato de uma mulher, invisibilizada pela sociedade, que deseja se comunicar com outra mulher, integrante de um círculo de privilégios, possibilidades. Isso, no século 18.

Mas o romance é bem, muito mais evidentemente do que aquilo que está resumido no parágrafo anterior.

Isabel das Santas Virgens é a personagem que escreve sobre a sua continuada experiência dolorosa num contexto em que as mulheres não tinham direitos – e apesar de conquistas, o texto literário de Maria Valéria Rezende dialoga com o presente, mesmo – aparentemente – tratando de um passado em alguma medida distante.

"Esta carta que Vos escrevo é minha última esperança".

Eis uma das frases reveladoras do propósito da narradora que pretende encontrar audiência em Maria I, de Portugal, a "Rainha Louca".

"Imaginei", ela continua, "por um momento, que, tendo farto papel em minha enxerga, poderia escrever um pedido de socorro, um bilhete que fosse, e soltá-lo ao vento como fazem os náufragos ao lançar garrafas ao mar, na esperança de chegar a um leitor piedoso. Louca esperança, mas são sempre loucas as esperanças que abrolham no espírito de quem, como eu, igual ao náufrago, mais nada tem.".

A narradora empreende o relato não sem duvidar do que aconteceu em seu percurso adverso – "Devo confessar-Vos, Majestade, que muitas vezes duvido de quem sou, duvido de minhas lembranças, já não sei se são verdade ou alucinações".

E esse saudável questionamento a respeito da matéria da memória faz todo sentido, sobretudo pelos acontecimentos que ela recupera por meio de palavras.

Baiana, a pobre Isabel das Santas Virgens vai morar com uma família rica, e convive com a personagem Blandina – seria possível comentar mais detalhes da história, repleta de reviravoltas, mas deixo aos interessados e interessadas a sugestão de leitura direta da narrativa, sem intermediário.

E atenção: linguagem e sutileza fazem de Carta à rainha louca um livro profundo sobre violência e opressão, tão brasileiras, muito 2022.


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