Porventura

 

Hoje tem Porventura (Record, 2012), do Antonio Cícero:

Um dos destaques desta reunião de textos poéticos, "Blackout" conduz o(a)s leitore(a)s, além da evidente linguagem poética, por uma trilha, espécie de um relato ou crônica a respeito de angústia, solidão, temores urbanos.

O narrador-voz poética diz atravessar noites sentado diante de um computador em aventura incontornável, tecendo a madrugada e poemas e, por deixar a janela aberta, teme um ataque de um vizinho:

"E se ele a tudo atentar/ e por inveja e recalque/ me der um tiro de lá?/ Melhor fechar o blackout".

O impulso da e pela vida, de "Blackout", motor para seguir usufruindo a beleza, o dilaceramento e o nonsense do real, dialoga com "Meio-fio", mesmo que por meio de poucos pontos de contato.

Neste poema, (outra vez) um narrador-voz poética relata ter programado uma sessão de cinema, respiro para uma noite de domingo no Rio de Janeiro.

A uma quadra do planejado destino, um incidente – pedra no caminho – coloca o personagem em uma calçada, abrindo espaço para inesperada experiência:

"Mas a noite, com a malícia/ e a fluidez de um jaguar,/ nada espera. Da Avenida/ Atlântica, a maresia,/ cio marinho, alicia/ para outras eras da vida.".

Evocada em dois poemas já citados, a existência é reverenciada em "O fim da vida", outro ponto alto de Porventura:

"Conhece da humana lida/ a sorte:/ o único fim da vida/ é a morte/ e não há, depois da morte,/ mais nada./ Eis o que torna esta vida/ sagrada:/ ela é tudo e o resto, nada.".

A percepção lúcida do fim da jornada vital é mote de um texto poético que o autor, sofisticado poeta e ensaísta filosófico, dedica à memória de um irmão e em "A morte de Arquimedes de Siracusa".

E o narrador-voz poética recorrente em Porventura, mesmo e talvez por apreciar todo viver, enuncia em "Valeu" não querer uma eventual segunda oportunidade (se for-fosse possível):

"Vida, valeu./ Não te repetirei jamais."

Doce mistério, o pulso que ainda pulsa recebe artística forma em "3h47", que encerra Porventura com síntese, repertório e humor, revelando que o poeta – sem dúvida – sabe que a vida é mais:

"Bem que Horácio dizia/ preferir dormir bem/ a escrever poesia.".


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