O segredo do casamento
O táxi
segue e uma televisão, quase ao lado do volante, está ligada, mas Jonas não
escuta as notícias. O passageiro observa o movimento fora do carro, nas
calçadas. Então, o motorista diz:
– É por
isso que eu sempre digo.
– O
quê?
– Casar
com mulher bonita.
– O que
é que tem?
– É
vacilo.
O
taxista continua falando, mas o passageiro presta atenção no movimento fora do
táxi.
– Não
tem jeito!
– Ah?
–
Mulher bonita é treta!
– É...
Jonas
responde, muitas vezes monossilabicamente, em alguns casos sem perceber o que
diz, enquanto o taxista comenta a reportagem exibida na tevê.
– É
sempre assim.
– É?
Um
repórter conta a história de Jean e Luana. De acordo com parentes e vizinhos,
foi crime passional. Jean desconfiava que Luana o traía, inclusive, com mais de
um colega de trabalho.
– E
quer saber?
– O
quê?
– Tenho
certeza que ela pulava a cerca.
– Ela
quem?
– Essa
aí.
– Essa?
– A que
morreu.
O
repórter entrevista parentes de Luana e de Jean. Eles confirmam o depoimento dos
vizinhos. Jean sentia ciúme da esposa desde que o tempo em que eles eram
namorados.
Por
algumas quadras, Jonas ainda vai responder, quase sem pensar, outras perguntas
do taxista. Está distante, distraído e não acompanha a reportagem sobre a morte
de Luana.
Até que
o motorista pergunta:
– Você
é casado?
– Sim.
– Faz
tempo?
– Por
quê?
– Ela
é...
Viviane,
a esposa de Jonas, atrai o olhar de homens e até de mulheres. Alguns amigos
dele dizem, com todo respeito, mas a sua mulher é uma gata. Parentes da Viviane
falam, pro Jonas, que ele tem sorte de ter casado com uma linda mulher.
Jonas
já sentiu ciúme de Viviane, desde que a conheceu, mas o ciúme nunca se
transformou em palavras ou ações. Pelo menos até hoje, até entrar nesse táxi,
ciúme nunca foi uma questão pra ele.
–
Desculpa perguntar...
– O que
foi?
– Mas a
sua patroa...
Jonas
não cogita, considera impossível, a hipótese de ser traído.
– É
bonita?
Jonas
fecha os olhos e surge uma cena inédita em seu imaginário. Ele vê um filme,
como se, ao invés de seguir no banco de trás de um táxi, estivesse sentado na
poltrona de uma sala de cinema.
Viviane
está no corredor de um prédio. Caminha, olha para um lado, depois para o outro
e, então, para. Um homem abre uma porta. Os dois se olham, sorriem, se abraçam,
se beijam e entram no apartamento.
Jonas
range os dentes, estala o pescoço e as mãos, mas não deixa de ver o que jamais
pensou que iria presenciar, mesmo que, aparentemente, talvez só em pensamento.
Os amantes já estão sem roupa, na cama, ela beija a boca e outras partes do corpo
dele. O homem desliza as mãos pelo corpo de Viviane. Ela geme. Jonas tapa os
ouvidos, não quer escutar nenhum som – e a sua esposa continua gemendo. Tem uma
ideia: talvez, de olhos abertos, essas imagens podem desaparecer. Será?
Abre os
olhos.
Agora,
o filme está projetado na janela do táxi. Jonas não sabe se apenas ele ou as
outras pessoas, por exemplo, as que caminham na calçada, também conseguem ver
Viviane transando com aquele homem. Ela está de olhos fechados, repete isso,
isso, isso, geme, e pede mais, mais e mais. Jonas tapa os ouvidos e fecha os
olhos.
– A
minha mulher é feia.
A voz
do taxista interrompe a projeção do filme.
– Ela é
feia, muito feia.
A frase
do taxista acalma o passageiro.
Jonas
abre os olhos e não vê a imagem de sua esposa transando com aquele
desconhecido. Tira as mãos dos ouvidos e só escuta a voz do taxista.
– O
segredo da vida é casar com uma mulher feia.
Jonas
fecha os olhos e a cena de Viviane deitada com outro homem desaparece. Abre,
fecha, novamente abre os olhos e só vê o interior do táxi, a rua por onde o
carro segue, alguns pedestres na calçada e outros carros que passam.
– Vou
ficar aqui mesmo.
O
taxista para o carro, Jonas paga o valor.
Ele está
na calçada e não pensa em nada, não há conflito em seu imaginário, também não
está sentindo nenhuma sensação, não lembra de Viviane, nem do que pensou ou
pensou que viu dentro do táxi, não sabe para onde vai e nem o que está fazendo,
agora, caminhando numa calçada.
Conto
publicado em Finalmente hoje (Tulipas
Negras, 2016), o meu quinto livro de narrativas.
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