Teletubbie punk
Entra
no prédio onde funciona a fundação de cultura e segue até o departamento de
recursos humanos. Está em frente ao balcão de informações.
– Pode
me ajudar?
– A
respeito do quê?
–
Preciso agilizar a minha aposentadoria.
– Qual
o seu nome?
O
sujeito, conhecido como Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio), diz o seu
nome.
– Onde
você trabalha?
– Como
assim?
– Em
qual órgão você trabalha?
– Você
só pode estar brincando!
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) pede um tempo para a funcionária,
acessa o Facebook no celular e escreve: Uma barnabé quer saber quem eu sou. Era
o que me faltava.]
– Minha
senhora...
– Sim.
– Qual
o seu nome?
–
Suzana.
–
Suzana, sem querer ofender, mas em que mundo a senhora vive?
– Como
assim?
– Não
me conhece?
– Não.
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) pede mais um tempo para Suzana e
digita no Face: A barnabé as-su-me que não me conhece! O post anterior tem 8,9
likes.]
– Eu
sou o [...] – o Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) diz o seu nome.
– Sim.
– Como
assim sim?
–
Desculpe, não estou entendendo.
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) pede mais um tempo e posta outro
comentário: Estamos perdidos. Os comentários anteriores já haviam sido
compartilhados.]
– Como
eu vinha dizendo, estou aqui por que preciso agilizar a minha aposentadoria.
– Onde
você trabalha?
– Sou
artista.
–
Artista?
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) digita no Face: Ela, a barnabé, está
espantada por eu ser artista. Paizinho de merda, hein?]
–
Suzana, é isso?
– Esse
é o meu nome.
– Sou
artista sim.
– Sim.
– Como
sim?
– Você
está dizendo que é artista.
– Sim.
– E
daí?
– Como
e daí?
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) posta no Face: Vagaba. Va-ga-ba!]
– Minha
senhora, eu sou o líder da banda punk da cidade.
– Banda
punk?
– Sim.
Da banda punk.
– Funk?
–
Recebi cachê da fundação por mais de duas décadas.
– Sério?
– É por
isso que estou aqui.
– Cachê?
Por mais de duas décadas?
– Isso
mesmo.
– Não
entendi.
– Claro
que você não entendeu.
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) confere as postagens anteriores,
todas com likes e comentários. Então, digita: Acho que eu vou perder a cabeça!]
–
Desculpe, o senhor quer...
– Quero
me aposentar.
– Não
estou entendendo.
– Quero
me aposentar.
– Mas o
senhor trabalha na fundação?
– Não.
Mas é como se eu trabalhasse. Entendeu?
– Se o
senhor não trabalha...
– Recebi
cachê da fundação por mais de duas décadas, está entendendo?
– É
que...
–
Então, tenho o direito de me aposentar.
[O
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio) faz a seguinte postagem: Acho que vou
espancar essa imbecil!]
– Mas o
senhor não trabalha na fundação. Ou trabalha?
–
Escute aqui, sua barnabé!
– Peço
que o senhor me respeite.
– Você
é que não está me respeitando!
– Vou
ser obrigada a chamar os seguranças.
– Você
está me ameaçando? É isso?
[Suzana
tira o telefone do gancho e digita quatro números.]
– Pra
quem você ligou, sua...
–
–
Responda, energúmena!
–
[Quatro
seguranças entram na sala e Suzana aponta com uma das mãos em direção ao
Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio).]
– Queira
nos acompanhar.
– O que
está acontecendo?
– Por
gentileza, não grite.
– Vocês
não sabem com quem estão falando!
– Por
favor, queira nos acompanhar.
– Eu
sou o cantor da banda punk da cidade!
– Se
não nos acompanhar, vamos te levar arrastado, à força.
– Eu
canto letras de poetas, estão entendendo?
[Dois
seguranças imobilizam e arrastam o Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio),
que segue gritando que é o porta-voz dos poetas da cidade, é amigo de
empresários, publicitários, de traficantes, diz conhecer o presidente da
fundação de cultura, e que...].
Conto
publicado originalmente com o título “Teletubbies (Que Canta o Discurso Alheio)”
em Mais laiquis (Tulipas Negras, 2015),
o meu quarto livro de contos.
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