Seria
Diego
aceita o convite, que mal tem beber duas, três, quatro, cinco, seis, sete ou
mais doses? E como recusar um happy hour com a Thaís, a filha do Ernesto, um
dos sujeitos que desde sempre ajuda Diego a realizar tudo o que ele, Diego,
realiza? Nem o fato de Thaís estar acompanhada, de quem mesmo?, um novo
namorado?, o incomoda. Faz calor, mais de trinta graus, temperatura perfeita
para cervejas e conversa, conversa e cervejas que podem alargar qualquer
horizonte, programa perfeito para driblar a rotina de uma terça-feira, por que
não?
Caminhar
ao lado do casal pelas ruas do bairro arborizado é, para Diego, agradável –
mais que isso até. A brisa refresca o seu corpo, o lilás deste fim de tarde
também faz com que a situação se apresente, para ele, inédita. E tudo fica
ainda melhor quando eles entram no bar.
Frederico,
o namorado de Thaís, comenta que há um grupo de amigos ali, pede licença e vai
até a mesa onde eles estão para cumprimentá-los.
E, sem
a presença de Frederico, Diego e Thaís bebem e conversam. Ela conta que, faz
tempo, percebe que ele existe. Diego também diz que há alguns anos sabe da
existência dela, e eles brindam.
Thaís
fala e toca o interlocutor durante a conversa.
Diego
aprecia a situação, mas teme que o namorado de Thaís, o Frederico, se incomode.
Diego olha para a mesa onde o Frederico está e, lá, Frederico também conversa
tocando o corpo de uma mulher. Então Diego relaxa e segue conversando com Thaís
e também bebe, cada vez mais, cerveja, e observa atentamente os seios de Thaís,
grandes e empinados, parte das coxas, os braços, as mãos, o pescoço, os olhos
castanhos, um corpo que ele, Diego, deseja já nem lembra desde quando.
Diego
conta que há seis, sete anos levou uma encomenda para o pai de Thaís, o
Ernesto, o major Ernesto, no apartamento do litoral. Bebe mais um gole de
cerveja e não comenta que ficou excitado com a imagem, Thaís de biquíni ao sol,
na piscina.
Thaís
sorri e diz que viu Diego em uma festa da empresa, não lembra exatamente
quando, mas tem certeza de que, no evento, ele estava bebendo água mineral ou
refrigerante, enquanto quase todos os convidados consumiam vinho, uísque ou
cerveja. Diego bebe um gole de cerveja e diz que não lembra, mas ele lembra,
sim, e com detalhes, da festa mencionada por Thaís. Até porque, naquela noite,
ele observou Thaís dançando, com um vestido curto, vermelho, em frente a um
sujeito, outro Frederico. E naquele momento ela estava linda, mas distante, e
agora está próxima e igualmente linda a menos de um metro dele, Diego.
Diego
sente que está com ereção e, imediatamente, olha para a mesa onde amigos do
Frederico estão reunidos. Mas o Frederico e a mulher com quem Frederico estava
conversando não estão lá.
Thaís e
Diego não sabem, mas agora Frederico está transando com a mulher com quem conversava
há alguns minutos.
Diego
pergunta se Thaís está com sede, ela diz que sim e ele pede mais um balde com
seis cervejas. Ela quer saber se ele fuma, ele responde que depende, ela avisa
que vai fumar, o convida e Diego acompanha Thaís.
Os dois
seguem até um espaço a céu aberto, ao lado do banheiro onde Frederico e uma
mulher transam. Thaís não desconfia, mas Frederico tem outras amantes desde que
eles, Frederico e Thaís, começaram a namorar. Esta, com quem ele está agora, a
Débora, é apenas mais uma.
Thaís e
Diego consomem, cada um, dois ou três cigarros, um após o outro. E fumar três
cigarros continuamente, um aceso na brasa do anterior, pode ter sido o começo
do desastre de Diego.
Em
algum momento, ao fumar bebendo cerveja, ele sente, pela primeira vez,
vertigem, talvez queda na pressão, um mal-estar – enfim – toma conta dele, que
quase cai. Quase. Só não cai porque Thaís e outras pessoas, também fumantes
presentes no local, ajudam a segurar o corpo de Diego.
A
partir de então, a sequência dos fatos é um mistério.
Diego
recebe um beijo de Thaís e, quase imediatamente, um soco de Frederico. Tudo
para. Tudo se move. Frederico recebe um golpe e, posteriormente, um tiro. Tudo
para. Não se sabe quem é o autor do disparo. Tudo se move.
Diego
beija Thaís?
Thaís
beija Diego?
Diego
sai do bar, anda por ruas do bairro arborizado, tudo parece vazio, as casas, os
prédios, a calçada, o asfalto. Ele chega ao estacionamento, paga a conta,
espera um manobrista trazer o carro – Diego tem sangue na calça, na camisa e
nos olhos.
Ele
deve ter ingerido alguns litros de cerveja, portanto, dirigir seria um ato
impensável, mas Diego entra no carro e dirige.
O carro
dirigido por Diego bate em veículos estacionados, em outros que estão em
movimento, também em uma, duas, três, quatro e mais pessoas, inclusive, o carro
passa por cima de um ou dois pedestres. Diego segue a mais de oitenta
quilômetros por hora ignorando sinais vermelhos, sem acionar o pisca-pisca, a
seta, em ultrapassagens, mudanças de faixas e conversões. Mas ele usa a buzina
com frequência, às vezes buzinando no ritmo de canções dos Beatles, como
Strawberry fields forever, Wait, I need you e Tomorrow never knows, que soam em
volume máximo dentro e fora do carro.
Diego
percebe o início da chuva por sentir, em seu braço esquerdo, as gotas que
entram pela janela com vidro aberto e, em segundos, elas se tornam volumosas.
Então,
pela primeira vez desde que conduz o veículo, diminui a velocidade, e faz isso
apenas porque o volume de chuva não permite enxergar nada, absolutamente nada
que está a sua frente.
E, a
trinta ou quarenta quilômetros por hora, dirige sem saber para onde, por ruas
de um bairro que não conhece.
Ao
passar por uma ponte de madeira, perde o controle da direção e o carro cai
dentro de um rio.
O fato
de não usar cinto de segurança, hábito antigo que não se alterou nem mesmo após
a obrigatoriedade determinada por lei, facilita a saída de Diego de dentro do
carro que segue no rio em meio à chuva. Em breve, o veículo vai naufragar, mas
Diego não vê a cena, uma vez que ele viaja pela superfície das águas
percorrendo rapidamente metros e mais metros abraçado em algo que não sabe o
que é, sofá, cama ou talvez parte de uma árvore, sua boia, o seu salva-vida.
Após
uma queda de água, de sete metros, enfim, calmaria. Ele abandona o tronco, sofá
ou cama, o seu porto seguro desde que deixou o carro, e finalmente chega a uma
das margens.
Diego
segue por uma trilha, inicialmente caminhando e, depois, correndo. Diante de
uma bifurcação, decide ir pelo meio da mata. Corre, anda, volta a correr.
Enfrenta dificuldade para avançar, machuca o rosto em galhos, tropeça, cai,
rasga um pedaço da calça, levanta. Corre. Tropeça. Cai. Machuca a mão direita.
Levanta. Corre. Segue correndo. Cai sem tropeçar. Bate o joelho em um tronco.
Levanta e anda. Não olha para trás.
Ainda
chove. E vai chover por mais trinta e nove dias.
Diego
vê algumas lâmpadas acesas, há uma casa. Não tem campainha, ele bate palmas e
aparece uma mulher e depois um homem, que o convida para entrar.
Observa
o interior da casa, os móveis, o piso, sete quadros em uma parede, uma pequena
estante e está confuso. Tem a impressão de que conhece o cenário, mas não
lembra em que circunstância esteve no local. O homem diz que Diego pode usar a
suíte, há roupas, chinelos e toalhas no armário. A mulher avisa que, após tomar
banho, ele está convidado para o jantar.
Enquanto
toma banho, Diego observa, pela janela do banheiro, equipes de busca. Dois
soldados conversam com o casal e ele escuta a mulher dizer que não viu nenhum
desconhecido e o homem confirma a informação.
A água
quente escorre pelo corpo de Diego, que está com fome, não lembra a última vez
que comeu e sente o cheiro de um cozido, mas ele pretende deitar. E gostaria
que tudo o que aconteceu recentemente fizesse apenas parte de um sonho que se
dissolvesse em breve sem lembrança nem consequências.
Narrativa
publicada em A cor do presente
(Tulipas Negras, 2019), o meu oitavo livro de contos.
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