Joana e Georgia

Aceclofenaco a cada doze horas e paracetamol mais fosfato de codeína de seis em seis horas. Dessa maneira Geraldo faz a marcação de seus dias recentes e as noites que segue acordado desde que elas, as duas, se foram. Por muito tempo, companheiras inseparáveis dele. Viajaram, juntos estiveram em praias, saunas, montanhas, piscinas, mares, restaurantes, quartos de hotéis e pousadas – e, como Geraldo gosta de dizer, ajudaram a queimar tanta coisa por aí, principalmente dólares.
Agora, sem Joana e Georgia, Geraldo só não cai e não grita por usar medicação. Mas o efeito dos remédios às vezes termina antes do horário previsto, o mal-estar se faz presente e Geraldo lembra, mesmo sem querer lembrar, de Joana e Georgia.
Joana e Georgia eram rebeldes, até e inclusive musicais, surpreendentes, e interferiram na vida de Geraldo.
Estiveram com Geraldo não por amor, mas com a finalidade de prejudicar o empreendedor responsável indiretamente pela cidade ser do jeito que ela é e ainda será por alguns anos.
Joana era mais agressiva que Georgia, apesar de que esta também tinha as suas atitudes motivadas por algo instintivo, definido talvez, mesmo com imprecisão, como violência. Fato, enfim, é que os movimentos e a existência de Joana e Georgia machucaram Geraldo, e por anos ele não se deu conta da causa do problema.
Aceclofenaco a cada doze horas e paracetamol mais fosfato de codeína de seis em seis horas: assim é a rotina de Geraldo em novembro.
Mas durante anos a rotina dele foi diferente, em alguma medida pior, sim, era pior, bem pior. Geraldo sangrava.
Tem gente que diz sangrar referindo-se à dor no fim de uma relação ou ao perder um emprego, mesmo sem ter sangramento. Geraldo, de fato, sangrou durante a temporada em que conviveu com Joana e Georgia.
A cadeira onde Geraldo passou cento e trinta e dois minutos conferindo Bacurau ficou manchada de sangue, mas naquele momento ninguém percebeu. Minutos depois, já na rua, Marília, a companhia de Gerado no cinema, comentou que a calça branca dele estava suja na parte de trás.
Naquela noite de outubro pós-Bacurau teve jantar, Geraldo fez palestrinha para Marília com a finalidade de explicar o problema, não convenceu e eles não transaram.
Geraldo foi, enfim, obrigado a procurar uma solução para os sangramentos e, para ele, a solução foi fazer a ligadura elástica: anéis introduzidos no ânus estrangularam suas hemorróidas.
Aceclofenaco a cada doze horas e paracetamol mais fosfato de codeína de seis em seis horas. Assim Geraldo sobrevive neste novembro sem as duas hemorróidas, Joana e Georgia, para quem, sozinho, ele canta trechos daquela canção do Chico: “Oh, pedaço de mim/ Oh, metade amputada de mim/ Leva o que há de ti/ Que a saudade dói latejada/ É assim como uma fisgada/ No membro que já perdi”.

Meu conto inédito publicado na Revista Ideias edição 217, novembro de 2019, com ilustração do Vitor Mann.

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