Botar banca na Barão
Narrativa
de Marcio Renato dos Santos, desenho do Vitor Mann
Estou
na Barão do Rio Branco, entre a XV e a Marechal, para assumir uma banca.
Tenho a
chave, abro, fecho a porta e sigo pela XV. O negócio pode me viabilizar
financeiramente e, sei, também posso colocar meus livros à venda.
Paro em
um café, bebo um puro sem açúcar e observo. Pessoas compram e leem jornais,
circulam com jornais nas mãos e embaixo do braço.
Volto a
caminhar na XV, estou contente, talvez feliz, a banca é minha, mas não vou
mostrar os dentes em público.
O
Caetano Veloso atravessa a XV, pela Doutor Faivre, e segue em direção ao Teatro
da Reitoria. Usa sobretudo ou capa branca parecida com a que o Chico Buarque
veste na foto da capa do álbum Francisco,
de 1987.
O
Caetano vai cantar? Ou participa de um debate? Segura um jornal em uma das
mãos. Se ele caminhar pela XV, e passar pela Barão, quem sabe entre na minha
banca – posso oferecer meus livros a ele, por que não?
Estou
na XV confuso e a confusão começou quando vi o Caetano Veloso na região da Reitoria.
Os cabelos dele eram escuros, quase sem fios brancos, como na foto do álbum Caetano, de 1987.
Mas em
1987 eu ainda não tinha publicado livro.
Em 1987
pelo menos quatro jornais diários impressos circulavam na cidade, bancas
vendiam jornais e revistas, e não apenas salgadinhos, doces, refrigerante e
sucos.
Novamente
na Barão, abro e fecho a porta e tenho a esperança de que isto aqui, a banca,
seja real. Gostaria que esta situação, eu dono da banca, tivesse continuidade.
Na XV
acendo um cigarro, trago, dez, dezessete passos e lembro que não fumo há mais
de uma década. Pesadelos em que acendo e trago cigarro são recorrentes, mas
pesadelos, apenas pesadelos.
Trabalhei
em jornal e revista quando havia revista e jornal, impressos, mas essa
profissão é dinossauro, datilógrafo, vendedor de enciclopédia, operador de
telégrafo, leiteiro, telefonista e, enfim, aquilo que eu fazia já era: funcionário
de impresso.
E em
2020, sem impressos com notícias, o que vou vender na banca?
Nem
melhor ou pior do que em semanas, anos que passaram: a situação evidentemente é
outra – e entre tantos fatos eu não fumo, pelo menos não quando estou acordado.
Vou, volto, sigo pela XV, tem bancas e portas
comerciais fechadas, anoitece e não reconheço este local, não consigo perceber
o que passa, o Caetano Veloso desapareceu, tenho medo que vandalizem ou
incendeiem a minha banca e desconfio deste cigarro aceso em minha mão direita e
também do isqueiro na minha mão esquerda.
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