Mais laiquis, o conto
“A vida é um problema.”
Encontrei a frase no Facebook, há alguns minutos. Não sei quem é o autor, mas a
afirmação define a minha vida agora: um imenso e aparentemente insolúvel
problema.
Fui convidado pra escrever
um conto, e aceitei. Tenho que entregar o texto daqui a sete dias. Será
publicado numa edição de domingo no caderno de pensatas do maior jornal do
país.
Outro escritor, talvez,
fizesse de tudo, ou quase tudo, para receber o mesmo convite, seja pelo
reconhecimento, pela repercussão ou por causa do cachê –– são mais de
quinhentos dólares. No meu caso, não é falta de inspiração, tempo ou bloqueio.
Sou citado, e respeitado,
por professores de letras, jornalistas e escritores. Tenho três livros, sucesso
de crítica, incluindo prêmios literários. Quem frequenta livrarias já folheou,
comprou e talvez até tenha lido algum dos livros que traz o meu nome na capa.
Mas eu não sou o autor das
obras.
Participo de mesas e
bate-papos e os autores e as pessoas que frequentam esses eventos me elogiam.
Dizem gostar do que eu escrevo e, principalmente, admiram a minha conversa. Mas
falar qualquer um, ou quase qualquer um, fala. Leio jornal, revista, até livro
eu leio. E por causa disso, da leitura, tenho repertório: basta repetir aquilo
que eu li.
Faz dois ou três anos,
comecei a desconfiar que alguns escritores não escrevem. Tem um que sempre
aparece com roupas coloridas, penteado impecável e sorriso permanente. Como é o
nome dele? Duvido que tenha escrito uma linha. E aquele que participa de mais
de cinquenta, sessenta, setenta eventos por ano? Também não lembro o nome.
Recebeu prêmios, mas não acredito que seja escritor. Até por que vive em
festas, mesas e encontros literários. Em que momento do dia, da vida, ele
escreve?
E aquele baixista, ou
tecladista?, de uma banda de rock? A minha editora contou e pediu sigilo: ele
paga para um escritor fazer a revisão, mas o escritor reescreve tudo.
Mas, agora, essas histórias
não me interessam. Preciso resolver o meu problema. Tenho que entregar um conto
e o Aurélio viajou. Ele é o escritor que escreve tudo o que é publicado com o
meu nome. O Aurélio pediu um tempo e avisou que não vai acessar e-mail e estará
sem celular. Disse que precisa de descanso. Eu não deveria trabalhar apenas com
ele.
Talvez fosse mais sensato
ter dois ou três escritores produzindo. Mas, tenho que admitir, o
Aurélio é acima da média, tem ideias, energia e consegue realizar o que o
cliente precisa –– ele não escreve apenas pra mim. Se a tendência do mercado, e
dos prêmios literários, é experimentalismo, prosa poética ou recriação de um
episódio histórico, o Aurélio sabe como e o que fazer.
E se eu procurar um livro de
um autor estrangeiro, pouco conhecido, e copiar um conto? Seria fácil, talvez
ninguém percebesse, mas tenho preguiça de fazer a pesquisa e, depois, digitar.
Não. Vou beber, muito, e
dormir. Numa dessas, amanhã encontro alguma solução ou procuro, não um desses
redatores que fazem sucesso no meio literário, mas algum escritor, um prosador
de verdade, sem reconhecimento. Tem muito pé-rapado talentoso por aí. Basta
oferecer uma graninha. É isso. Vou comprar um conto.
Afinal, mais do que o conto,
o que me interessa é compartilhar no Face o link do texto publicado no jornal.
É que preciso de laiquis, de muitos, muitos laiquis pra sorrir e me sentir
feliz, muito feliz.
“Mais laiquis” faz parte de Mais laiquis”, o meu quarto livro de contos, publicado este ano, 2015,
pela Tulipas Negras Editora.
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