Resenha de "Salvar os pássaros"
A
linguagem fluente leva o leitor da primeira à 175.ª página, a última, de Salvar os pássaros (Encrenca: Curitiba,
2013), o mais recente livro de Luiz Felipe Leprevost (na foto de Olívia D'Agnoluzzo). Apresentado em texto de
divulgação como coletânea de contos, a obra funciona, mesmo, mais do que tudo,
como texto contínuo, novela ou romance.
Apesar de
mínimas variações, modulações sutis, todos os textos são enunciados por um
único narrador; é o mesmo narrador que não usa maiúsculas para iniciar frases;
narrador esse que pega o leitor e a leitora pelas mãos e os conduz num fluxo
contínuo, ininterrupto de palavras que provocam sensações, emoção, percepções
outras – paraísos artificiais enfim.
Os enredos
interessam, podem interessar, mas Salvar
os pássaros oferece passaporte para seguir pelos enredos, apesar dos
enredos, a partir de personagens e situações, por exemplo, da descrição
detalhada de uma transa que funciona como ideia-força pra dizer e reforçar a
tese que sexo é amor, amor é sexo – o resto, ora direis, ouvir bocejos, pode
ser prosa, no máximo coleguismo.
Tudo
é movimento em Salvar os pássaros.
Quem narra flui, quem lê também. A prosa de Leprevost segue e salva o leitor,
por exemplo, do desgastado modelo-prisão de começo, meio e fim. Compreender
tudo em Salvar os pássaros também não
é necessário – e quem compreende as coisas nesse caos fragmentado com Facebook 24
horas aceso diante de todos nós?
Salvar os pássaros fala: “e aquela voz:
você não sai da janela. eu já estava morando ali agora? bateram a campainha.
fui abrir. era aquela que tinha sido o amor da minha vida. eu: entra. e já fui
apresentando as duas. foram simpáticas uma com a outra.” Salvar os pássaros lamenta: “posso suportar guardadores de carro
não gostarem de mim, bilheteiras de cinema não gostarem de mim, eruditos não
gostarem de mim, politizados não gostarem de mim, gerentes de banco não
gostarem de mim, descolados não gostarem de mim.” Salvar os pássaros grita: “se tudo é tão triste, por que escrevo?
por que não calo minha mão?” Salvar os
pássaros delira: “topógrafos do só-buraco.” Salvar os pássaros goza: “ela não é uma dominatrix, não sou um cara
com uniforme de bombeiro, optamos por carinho e cuidado, posições
ginecológicas, as pernas em ângulo de quase 180 graus, pornô, sim, mas com
amor.”
Salvar os pássaros revela o imaginário
livre de Luiz Felipe Leprevost, que dialoga com a tradição literária e marca o
seu próprio terreno no mapa literário contemporâneo. O texto inventivo de
Leprevost tem a aparente falta de continuidade e sentido de um solo de Jimi
Hendrix e, a la Hendrix, ele realiza uma literatura experimental absolutamente
irresistível, arrebatadora (esse livro não seria, na realidade, um álbum de
rock and roll?): é um corpo solto que dança, fluxo de água que não se represa. Salvar os pássaros é um dos destaques do
ano literário 2013.
Serviço: Salvar
os pássaros, de Luiz Felipe Leprevost. Encrenca, Curitiba: 2013. 175
páginas. Preço: R$ 28. Avaliação: Ótimo.
Texto publicado originalmente na revista Ideias, dezembro de 2013, edição 146, na página 63, com o título Free as a bird.
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