Carne é carne


Hoje o Fabrício Carpinejar nem me responde e-mail. Mas na década passada a situação era diferente. Em uma das primeiras visitas que o poeta gaúcho fez a Curitiba, caminhamos conversando por horas pelas ruas do Centro. Antes de seguirmos para o almoço na casa do Fábio Campana, o Carpinejar quis saber de que maneira eu resolvo a minha agressividade. “Bebendo água com gás”, respondi.

Era mentira. Evidentemente que não diluo impulsos agressivos ingerindo água, e sim comendo.

A esposa do Luiz Rebinski Júnior, a Daiane, me telefona para saber se estou envolvendo o marido dela em um programa de engorda. O Luiz e eu almoçamos juntos quase todos os dias. “O Marcio é o meu nutricionista”, disse, há algumas semanas, o Luiz para a Daiane.

Poderíamos fazer avaliações do que é servido nos restaurantes do Centro. Mas aí lembro de uma frase do Omar Godoy: “Substituíram a análise e o interesse cultural pelo ensaio gastronômico”. O Omar, um ser atento e moderado, sabe o que diz. O mundo contemporâneo exclui críticos de livro e cinema para dar vez aos sommeliers de coxinha e pastel.

Não. O Luiz e eu não vamos produzir resenhas gastronômicas. Trabalhamos com não pouca intensidade durante seis, sete, oito horas todo dia e durante o almoço queremos apenas comer. “Teremos alguma memória desse período, e não apenas lembranças do tempo na enxada”, comenta o Luiz, referindo-se às refeições.

No trajeto do trabalho ao restaurante, lembro do Carpinejar. Ou da resposta que dei a ele. Na realidade, canalizo meus impulsos agressivos com garfo e faca nas mãos. Há uma churrascaria no entorno da Praça Santos Andrade. Duas vezes por semana, peço ao atendente para descer todos os corações do espeto. Também corto e engulo vorazmente nacos de chuleta, maminha, fritas e três ou quatro bifes de alcatra.

Se na ida reclamo do dia nublado, da gordura do texto de algum livro ou de que minhas roupas estão apertadas, na volta – o Luiz a caminhar, eu rolando – tudo se modifica. Pondero que cinza é a cor da cidade, excessos são bem-vindos em prosa inventiva e nem sinto a pressão da calça, principalmente na cintura.

Durante horas, em meio à digestão, sigo leve, apesar do peso. E esqueço as batalhas que não lutarei. No dia seguinte, o estômago volta a reclamar, mas tudo se resolve. Se houver racionamento de ração? Tornar-me-ei o atirador de Curitiba? Acho que não. Beberei água, muita água com gás, como disse ao Carpinejar, até apaziguar isso, aquilo que parece não ter paz nem repouso.

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Publicado dia 10 de abril de 2013 na página 13 do Vida e Cidadania, primeiro caderno da Gazeta do Povo: http://tinyurl.com/d88omzq

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